INCÊNDIO DO REICHSTAG: 92 ANOS DE UM MARCO NA ASCENSÃO DO NAZISMO
Noventa e dois anos depois, o incêndio do Reichstag continua sendo um poderoso lembrete dos perigos da manipulação política e da fragilidade das instituições democráticas.
Por Salus Loch
Há 92 anos, na noite de 27 de fevereiro de 1933, as chamas que consumiram o edifício do Reichstag, em Berlim, marcaram um ponto de inflexão na história da Alemanha e do mundo. O incêndio do parlamento alemão não foi apenas um ato de destruição física, mas também o estopim para a consolidação do poder nazista e o fim da democracia na titubeante República de Weimar.
Naquele momento, a Alemanha vivia um período de grande instabilidade política e econômica. Adolf Hitler havia sido nomeado chanceler apenas um mês antes, em 30 de janeiro de 1933, pelo presidente Paul von Hindenburg. Os nazistas, embora no governo, ainda não tinham controle total da nação e enfrentavam forte oposição, especialmente dos comunistas.
Incêndio e consequências imediatas
Quando as chamas foram avistadas saindo do prédio do Reichstag por volta das 21h, a notícia se espalhou rapidamente por Berlim. Bombeiros e policiais correram para o local, mas o fogo já havia causado danos significativos. No interior do edifício, foi encontrado Marinus van der Lubbe, um jovem comunista holandês, que confessou ter iniciado o incêndio sozinho.
Hitler e outros líderes nazistas, como Joseph Goebbels, chegaram rapidamente à cena. Imediatamente, sem evidências concretas, declararam que o incêndio fazia parte de uma conspiração comunista para derrubar o governo – uma narrativa que forneceu aos nazistas o pretexto de que precisavam para implementar medidas drásticas.
Catástrofe iminente
Em meio a essa turbulência, muitos intelectuais pressentiram a catástrofe iminente, entre eles o escritor Bertolt Brecht. Um dia após o incêndio, Brecht deixou a Alemanha silenciosamente. A imprensa, concentrada nas reviravoltas políticas provocadas pelo sinistro, não noticiou sua partida.
Embora a saída de Brecht tenha sido pouco reconhecida na época, vale observar que o escritor havia previsto a ascensão do autoritarismo nazista com precisão sombria. Em sua obra Lied vom SA-Mann (Canção do Homem da SA), ele capturou a ameaça latente que via em Hitler e seus aliados – uma clarividência que manteria Brecht frequentemente na mira do regime, em meio à sua perseguição inescrupulosa à dissidência intelectual.
Decreto do Incêndio do Reichstag
Enquanto Brecht partia, em 28 de fevereiro, o presidente Hindenburg, persuadido por Hitler, assinou o Decreto do Presidente do Reich para a Proteção do Povo e do Estado, mais conhecido como o Decreto do Incêndio do Reichstag. O documento suspendeu a maioria das liberdades civis garantidas pela Constituição de Weimar, incluindo:
Liberdade de expressão
Liberdade de imprensa
Direito de reunião e associação
Privacidade de correspondência e comunicações telefônicas
Proteção contra buscas e apreensões sem mandado
O decreto também permitiu ao governo central assumir poderes dos governos estaduais e locais, efetivamente centralizando a autoridade nas mãos dos nacional-socialistas.
Repressão e consolidação
Com o decreto em vigor, os nazistas iniciaram uma onda de repressão brutal contra seus oponentes políticos. Milhares de comunistas, socialdemocratas e outros opositores foram presos nas semanas seguintes. Muitos foram enviados para campos de concentração recém estabelecidos, onde enfrentaram tortura e morte.
A imprensa livre foi rapidamente silenciada, com jornais de oposição sendo fechados ou colocados sob controle. A propaganda do regime retratou o incêndio como prova de uma iminente revolução comunista, alimentando o medo na população e justificando medidas cada vez mais extremas.
Julgamento e dúvidas
Em setembro de 1933, teve início o julgamento de Van der Lubbe e dos demais suspeitos. Apesar dos esforços para provar uma conspiração mais ampla, apenas Van der Lubbe foi condenado e executado. Os outros réus, incluindo o líder comunista búlgaro Georgi Dimitrov, foram absolvidos por falta de provas.
As circunstâncias exatas do incêndio permanecem objeto de debate até hoje. Enquanto muitos historiadores acreditam que Van der Lubbe agiu sozinho, outros argumentam que os próprios nazistas podem ter orquestrado ou facilitado o incêndio para criar um pretexto para suas ações subsequentes.
Legado
O incêndio do Reichstag e suas consequências imediatas foram cruciais para a transformação da Alemanha em um estado totalitário. Nos meses seguintes, os nazistas consolidaram ainda mais seu domínio. Em março de 1933, o Reichstag aprovou a Lei Habilitante, concedendo a Hitler poderes ditatoriais. As agremiações políticas foram gradualmente banidas, deixando o Partido Nazista como a única força política legal. Sindicatos foram dissolvidos e substituídos por organizações controladas pelos nacional-socialistas. A política de Gleichschaltung (coordenação) alinhou todas as instituições sociais e culturais com a ideologia do regime.
Reflexões para 2025
Noventa e dois anos depois, o incêndio do Reichstag continua sendo um poderoso lembrete dos perigos da manipulação política e da fragilidade das instituições democráticas – ilustrando como momentos de crise podem ser explorados por forças autoritárias para suprimir liberdades e consolidar poder.
O episódio – no raiar de um 2025 marcado por incertezas e ecos de extremismo em diversas partes do mundo – serve como um alerta permanente sobre a importância de proteger os valores democráticos, a liberdade de expressão e o Estado de Direito.
Afinal, a vigilância constante é essencial para preservar as liberdades duramente conquistadas e prevenir o ressurgimento de ideologias como o fascismo e o nazismo.
Ao refletirmos sobre este aniversário, somos lembrados da responsabilidade coletiva de aprender com a história, permanecer críticos diante da propaganda e da desinformação e defender ativamente os princípios democráticos. O incêndio do Reichstag não é apenas um capítulo sombrio da história alemã, mas uma lição universal sobre os perigos do extremismo político e a importância da resistência cívica diante da tirania.
SALUS LOCH
Salus Loch é jornalista, escritor e advogado. É voluntário no departamento de Comunicação do Museu do Holocausto de Curitiba e Proprietário do Instituto ISPO - Pesquisa & Comunicação.
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